Onde seus projetos frutificam




Marco Antonio Rodrigues.

Escritor do Rio de Janeiro - Brasil.

Contrarofechado2@gmail.com

55-21-998014513


Quando bem elaboradas, as palavras puxam clientes para o interior de lojas e empresas; não raro os induzem a fazer a deliciosa pergunta: aceita pix?

"Quando bem elaboradas!"  

Livros de minha autoria

SINOPSE

A obra reúne 77 textos (contos e crônicas) que abordam os mais variados temas. Todos muito reflexivos.

Por serem independentes e não se interligarem para formar uma única história, os textos podem ser degustados sem pressa, em períodos de relaxamento que os dias oferecem.

Os desatentos rotulam o trabalho como: "Autoajuda".  Eu prefiro: "Autoconhecimento".

Trata-se de um livro leve, revigorante e transformador. 


"A reflexão é um sol que dissipa lentamente as brumas que ofuscam nossa luz".



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Confira as inúmeras resenhas sobre o livro, no skoob.

https://www.skoob.com.br/livro/252515ED282714



SINOPSE

Para minha surpresa, meus pés pisavam novamente o apaixonante solo de um fliperama. Inúmeras mesas de pinball ocupavam o vasto salão, mas foi na máquina denominada “O jogo de Deus” que presenciei a partida mais inusitada e intrigante de toda a minha vida. 

O aparelho era manuseado com extrema sagacidade por um velho grandalhão, que em momento algum afirmou com clareza, mas deixou subentendido através de atos, palavras e expressões que seria ele o próprio Deus.

 Diferente de todas as mesas de “Flipers” que conheço, aquela recontava histórias de tempos remotos, de passados ​​recentes e até do porvir. Tudo de maneira mágica, surreal, extasiante... 

Ao término daquela alucinante partida, concluí que, muito mais que assistir a um estranho jogo de pinball, havia recebido um importante aviso. Alerta esse que a humanidade não deve ignorar, se quiser evitar o desfecho sombrio que aquele duelo entre palhetas e esferas metálicas revelou.


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SINOPSE

To my surprise, my feet were again on the ground of an Arcade. Various pinball tables were spread through the wide floor, but it was on one called the “Game of God” that I witnessed the most intriguing game of my life.

The equipment was maneuvered with such an expertise by a big old man, who never clearly mentioned to be God himself, but it was kind of implicit.

This table was different from all the flipper tables I have ever known, this one would tell stories of ancient, recent past, up to modern times and even about times to come. Everything was magical, surreal and thrilling.

At the end of that exhilarating game, I concluded that it was more than just watching a weird pinball match; I had been granted a warning. This is the kind of warning that humanity should not ignore in case mankind wishes to avoid a gloomy outcome, the duel between the metal spheres and flippers had revealed.


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SINOPSE

Apesar do admirável avanço técnológico de que dispomos, há um lugar em nosso planeta que permanece apagado; ignorado por mapas, GPSs, radares, satélites... Local esse que ludibria até os olhos mais atentos e treinados.

Com acesso restrito à pessoas "diferenciadas", essa região possui mistérios inimagináveis, até para aqueles que nela transitam.

No decorrer da leitura, não relute se o sono o afagar e ao término dela, não se surpreenda se um questionamento em sua mente se fixar: "será que sou um deles?"


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           TEXTOS PREMIADOS

Eu e eu

Meu criador é muito sábio e surpreendente, pois esse que vejo refletido no espelho, esse que possui 1.85 cm, que pesa quase 100 quilos... Durante muitos anos acreditei que esse cara fosse eu, mas para minha surpresa, descobri que esse não sou eu!

Eu, o eu principal, o verdadeiro eu sou aquele que conduz o eu grandalhão ao banheiro, que o coloca diante do espelho, que pensa e ordena o que o eu casca vai fazer, que determina qual será seu próximo movimento...

Eu sou aquele que julga o  certo ou errado, que vez por outra se desarmoniza com o bonitão que me conduz... Há momentos em que ele deseja algo e eu concordo, mas depois compreendo que o oposto é o melhor. Outras vezes cedo as pressões desse camarada que, por vezes insiste em errar.

O eu falso sente frio, fome, calor, dor, sono... O verdadeiro sente saudade, medo, alegria, tristeza, arrependimento... e uma dor diferente da que o outro sente; é uma dor muito mais aguda.

A simbiose é perfeita, um depende do outro. O verdadeiro depende do falso, pois esse último possui limitações e fraquezas que são necessárias para o engrandecimento do autentico.

Eu, o verdadeiro, sou o que esta redigindo essa página, mas o outro esta dificultando minha capacidade de enxergar e raciocinar; os olhos desse brutamonte fracote já estão pregando. É, não será possível terminar, terei de colaborar; afinal de contas, preciso de suas mãos pra redigir o texto e ele esta muito cansado.

Vou aproveitar que ele vai dormir para dar umas voltas por aí. Talves lá para as bandas do Alasca, quem sabe até para o Cazaquistão! Mas sempre atento com meu "parça" que, ainda levantará na madrugada para urinar.


Vício de viver

Compulsão é como o tempo, depois de iniciada desconhece breque, recesso, semáforo escarlate... Respeita apenas o limite ortodoxo, o game over.

 Quando ameaçado, o vício joga sujo: angústia, aflige, amedronta... Provoca overdose de insegurança em seus tutelados. Ele não mede esforços para mostrar o tamanho de sua baixeza e o controle de suas rédeas.

 Há momentos em que desejo invadir o DP da empresa “vida”, atirar sobre a mesa minha carteira funcional e ordenar olhando fixamente nos olhos de quem estiver do outro lado. “Tô fora! Pode dar baixa!”. Mas o vício de viver não permite, ele me chama a ordem sussurrando em meu ouvido. “Seu maluco! Você tem medo até de injeção, porque cometeria o ato audaz de se atirar de arranha-céu, de pressionar gatilho contra os próprios miolos, de sorver cianureto...?”

 Ergamos um brinde com a água mais potável do planeta e saudemos o vício de viver!

 Existir não basta! Figuração é pouco!

 É preciso atuar, contribuir, sentir... Interagir com outras idéias, com conceitos opostos... Lidar com a contrariedade...  

 Vida vicia, dias são tragos. Mas apenas os alicerçados na lucidez.

 Deixem-me em paz com meu vício! Sou eu quem vai se ferrar com as dores e limitações da velhice!

 Aos que conseguiram se libertar dessa compulsão meus parabéns, ou melhor, meus pêsames. Espera um pouco! Pêsames também não, eles devem ser direcionados apenas aos existentes e aos viventes, nunca aos desistentes.

 Existir é a primeira etapa do jogo, viver é um módulo mais avançado, requer expertise.  

 Ignorem minha dependência! Eu não importuno você que está aferrado ao “beckzinho” “recreativo”, que é subserviente aos prazeres momentâneos...  

 No começo a cerveja amarga, a cachaça queima, o cigarro faz engasgar e provoca tosse...

 Viver de “cara limpa” também incomoda no inicio, mas depois se torna “muita onda”, talvez seja a maior de todas as “doideiras”.

 Dê-me mais uma dose, só mais um dia.

 


Incessante batalha

A “madrugada” avança, silenciosa e gélida.

No horizonte, as fileiras do “dia” se formam iluminadas, prontas para atacar.

O céu sangra.

A “noite” bate em retirada.

Uma sinfonia de sabiás anuncia que o “dia” atacará com sua arma mais poderosa.

Catapulta do tempo municiada, disparo feito. Gigantesca bola de fogo lançada no ar.

O céu se ilumina.

O frio se dissipa.

A “noite” se refugia, fica entrincheira no hemisfério oposto.

O “dia” reina febril a medida em que a enorme esfera incandescente cruza o céu anil.

As horas seguem, um crepúsculo abóbora se forma na linha que costura céu e mar.

É hora da “noite” mostrar o seu poder bélico.

Trajando majestosa túnica negra ela sombreia um dos pontos cardeais.

A medida em que avança, dizima impiedosamente toda e qualquer luminosidade deixada pelo “dia”, que recua.

A artilharia pesada que a serve inicia massivo bombardeio com miraculosos morteiros, que lançam seus projeteis para além da estratosfera e deixa o céu salpicado, apinhado de pontinhos brilhosos.

A catapulta do tempo se prepara para lança sobre o céu noturno a mítica pérola que influencia marés, que hospeda poderoso santo guerreiro, que transforma homens em feras e que seduz poetas.

A rainha “noite” tem impressas em sua gigantesca túnica negra, lua obesa e estrelas sem fim.

A “madrugada” segue, avista ao longínquo a “alvorada”, fiel e atenta sentinela do “dia”.

Pássaros iniciam gradativa e confusa cantoria.

Por detrás das distantes cordilheiras, o “dia” ergue lentamente uma de suas pálpebras...


Segue o link da trigésima edição da revista eletrônica "Literalivre".

O texto acima encontra-se na página 155

https://www.calameo.com/books/005409554fa3e0440c308

https://cultissimo.wixsite.com/revistaliteralivre/n%C3%BAmeros-2021 

Decisão

União infeccionada.

Carcomida pelo tempo.

Que se arrasta combalida.

Se transforma em tormento.


O apego grita alto.

A intimidade é glacial.

A vida convida para dançar.

É preciso dizer tchau.


Dói o frio, dói o abrir mão.

A covardia me estende a mão.

Encontro-me na encruzilhada.

Com medo da solidão.


Período perturbador.

De grande desilusão.

Recheado de dissabor.

Que exige decisão.


Dente cariado.

Que comprometeu o canal.

Tem de ser arrancado.

Se tornou um grande mal.


Vejo o luzir do boticão.

Se aproximando da união.

As lágrimas rolam na face.

Depois do impiedoso puxão.


Sangue na gengiva.

Dor no coração.

Luto por um período.

Ciclo da renovação.


O tempo que deteriora.

Também amansa a dor.

Em breve vem à melhora.

Quiçá um novo amor.


Segue o link da edição 32 da revista eletrônica "Literalivre"

O poema acima está na página 154

https://drive.google.com/file/d/1G3VbQg7s19peE-PweF0EsaN7FZO9JfIB/view

https://www.calameo.com/read/005409554a645db569612 

Oscar Niemeyer, o imortal abduzido

Retornando do interior da Bolívia, estava eu absorto numa página em branco do Word, os dedos apostos sobre o teclado do laptop aguardavam sintonia adequada para inundar a tela com palavras que pudessem retratar algum fato ocorrido na viagem. Até que, surpreendido por balbucios, ouvi acidentalmente a conversa dos vizinhos das poltronas de trás... Sem resistir aquele comentário os dedos iniciaram – quase que involuntariamente – vigoroso sapateado sobre o tablado das letras.

*

Como assim?! Não! Não! Só pode ser brincadeira. Se Elvis que era uma cara comum, um sujeito como outro qualquer, há quem brade a plenos pulmões que ele não morreu! Por que aquele que, talvez seja o único, genuinamente imortal do globo, morreria? 

Os deuses da literatura assim que são entronados na ABL são condecorados com o nobre e honroso título de “Imortais”. Status que todos sabemos ser meramente simbólico, fictício, mas em se tratando do nosso pra lá de centenário arquiteto, isto é um fato, é verídico.

“Oscar Niemeyer morreu”. "Chupa essa manga!"

Entre numa tendinha, por exemplo. Num lugar público qualquer onde o povão fervilhe e pergunte a qualquer um sobre a idade daquele que edificou Brasília, e não se surpreenda se algumas pessoas responderem sem titubear, com firmeza e imprecisão. “110 ou 112 anos”.

É provável que as especulações ganhem números ascendentes. “Que nada! Ele já passou disso! Deve estar com quase 120, ou mais!”. “Que 120! Ele deve estar beirando os 145”...

A verdade é que ninguém confirmaria essa idade, mas também tenho certeza que ninguém duvidaria.

Nós brasileiros, num contexto geral nos habituamos, nos adaptamos a ininterrupta e longeva marcha existencial que o arquiteto imprimiu no subconsciente da nação, das pessoas, que em algum momento do cotidiano perguntam despretensiosa e corriqueiramente sobre Oscar Niemeyer, como ele está, qual sua atual idade... Perguntas comuns e corriqueiras que pululam nos mais remotos cantos do nosso Brasilzão, como quem pergunta pelo placar de uma partida de futebol.

Todos, mesmo sabendo que a imortalidade é fruto da ficção, mesmo cientes dessa impossibilidade, lá no fundo acreditamos na imortalidade de Niemeyer. Essa possibilidade foi construída sem questionamentos, sem o peso desconcertante que as coisas extraordinárias causam. Esse fato foi penetrando e se fixando na cultura nacional de tal forma que ninguém parou para analisa o tamanho dessa aberração, simplesmente aceitaram essa condição de vida eterna.

Ansiamos sem perceber por informações. Sejam numa nota de jornal, num noticiário televisivo, na internet ou até mesmo através de um amigo de trabalho, de um parente ou vizinho; algo ou alguém que nos sacie a sede de informação, que nos diga algo sobre o nosso imorredouro projetista.

Quando os comentários não circulam, quando a estiagem de informações é longa, uma angustia, um inexplicável vazio nos acomete e esse peso estranho só desaparece quando as notícias informam que o último representante do clã dos “Macleod” soprou mais uma chama.

Morre fulano, empacota sicrano, bate as botas beltrano... Mas o Oscar tá lá, firme. Ignorando ou ignorado pela morte, rompendo anos, apagando velinhas.  Nessa marcha, de ano em ano, de década em década ele atravessou as fases, varou a 3ª idade, desdenhou da velhice, tornou-se ancião e sem ser detido conquistou a imortalidade. É verdade que ele tem andado um tanto quanto debilitado. As estadias nos hospitais tem se tornado frequentes, mas e daí? Quem nunca se hospitalizou? Quem nunca passou por sucessivos exames? Momentos ruins são comuns em qualquer idade, mas daí morrer é muito diferente, é inconcebível. É sem dúvidas uma das maiores brincadeiras que fizeram com nação brasileira.

“Oscar Niemeyer morreu!”. "Chupa essa manga!"

*

Pequena pausa para refletir e analisar o texto.

O voo já se aproximava do seu destino, o aeroporto do Rio já inundava as vistas, do outro lado era possível vislumbrar a nave niteroiense. O MAC era imponente e tornava as terras de Araribóia diferentes, privilegiadas.

É isso!...

*

Os dedos prosseguiam em seu balé literário.

Abduzido talvez!  Convocado para projetar naves espaciais modernas, mais sofisticadas para os “manos” de outros orbes ou quem sabe tenha ido buscar inspirações em outros planetas para no futuro nos presentear com construções mais brilhantes, mais extraordinárias, mais curvilíneas.

*

No desembarque, guardei meus pertences com proposital lentidão, afim de que pudesse percorrer com os olhos a estirpe dos sujeitos que proclamaram aquela aberração.

Eram dois Bolivianos de meia idade, cabelos grisalhos, trajavam ternos escuros, bem alinhados. Aparentavam ser empresários. Por de trás, acompanhando seus passos eu sacudia a cabeça em negação e resmungava mentalmente comigo mesmo “Como podem falar uma bobagem dessas?”

Assim que pus os pés do lado de fora do avião, um objeto grande que pairava no ar atraiu minha atenção, fez com que minha face se volvesse para o alto, em sua direção. Olhei ao derredor e as pessoas seguiam tranquilas, em profunda alienação ao objeto que me petrificara.

No interior do flutuante, através de uma espécie de vitral, similar a uma escotilha, um homem idoso acenava com a mão trêmula em minha direção. Atordoado e pasmado, com o coração a tamborilar, cheguei a pensar em alucinação, pois somente eu enxergava aquilo.

O idoso abriu a “escotilha”, deixou cair algo no solo. A nave partiu célere num movimento vertical e desapareceu nas nuvens, como em um acender e apagar de lâmpada. Obvio que fui verificar de que se tratava. Depois de alguns passos, agachei e recolhi do chão dois instrumentos, caminhei para o saguão do aeroporto, sentei-me, religuei o laptop para finalizar o texto enquanto avaliava o compasso e o escalímetro que acabara de pegar.

Enquanto a máquina iniciava fui cumprimentado por um antigo vizinho que passou acompanhado de uma bela e madura mulher. Ele abraçou-me efusivo e indagou-me.

– Está chegando ou partindo, Dr. Ernesto?

Retribuí o carinho e informei que estava chegando. Ambos partiram embalados por uma conversa agradável e finalmente pude concluir o texto.

*

Está efetivamente comprovado “Oscar Niemeyer não morreu e ponto final.”

*

– Quem é o sujeito? A mulher perguntou ao meu vizinho sobre mim.

– Dr. Ernesto. Duvidoso médico psiquiatra. Respondeu de pronto enquanto prosseguiam, e acrescentou - Dizem que ele é metido nesse negócio de "ufologia”.


O texto encontra-se na página 36 da referida revista física acima exposta.

A outra cidade 

      A globeleza começou aparecendo esporadicamente, depois sua presença foi se intensificando nas telas das TVs,  quando dei por mim já era sexta feira.

         Carros lotados se fundiam uns aos outros, cobrindo o asfalto até onde as vistas podiam alcançar. Além da parentela canina, felina e humana, boa partes dos veículos transportavam enorme quantidade de apetrechos, de utensílios. Pareciam um bando de mascates em busca de clientes noutra região.

         “Agente vai se ver na Globo” lá estava ela novamente,  sacudindo as carnes saudáveis, suculentas, bem passadas, bem delineadas. Hum! De lamber os beiços.

         No sábado, outra enorme colcha de retalhos se formou cobrindo as principais estradas e avenidas da cidade escaldante. À noite tudo mudou. O ambiente não era mais a mesmo, uma tranquilidade desconhecida e assustadora passou a permear os ambientes.

         Minha cidade havia partido junto com os emigrantes. O êxodo urbano havia feito o translado da essência, da energia, das características comuns de minha terra. Uma forte sensação de estar noutra cidade dominou minha mente. Definitivamente a cidade pela qual eu transitava com extraordinária leveza e descontração não era a cidade “sorriso”. As ruas estavam vazias, o transito fluía com impressionante leveza.

         A folia se fez presente em alguns pontos e horários específicos, mas no âmbito geral, era como se a cidade estivesse fantasiada de cidade interiorana, parecia um enorme vilarejo. Até as pessoas estavam mais corteses, mais agradáveis e sorridentes.

         As coisas estavam tão diferentes que um questionamento esquizofrênico passou a pulsar em minha mente – colocando em dúvidas minha sanidade – “será que viajei também?”

         Deparei-me com um gringo que puxou assunto com gestos, expressando uma linguagem difícil, mas compreensiva.

         – Você daqui? Perguntou o forasteiro.

         Aquela pergunta – justo naquele momento – fortaleceu a estranheza, o desconforto mental que me envolvia. Fitei-o desorientado, meu rosto carregava uma enorme interrogação. Mentalmente refiz a pergunta a mim mesmo, em segui respondi com voz baixa.

         – Sim! Acho que sou.

         O sujeito era turista, mas não era imbecil. Percebeu que em minha resposta não havia certeza, tão pouco convencimento e replicou apontando os dois dedos indicadores para o solo onde estávamos.

          – Aqui Niterói. Rio de Janeiro?

         Dei de ombros, assenti erguendo e abrindo os braços. Confesso que foi uma resposta que eu não gostaria de receber. A incerteza deixou no ar um perfume estranho, desagradável.

         O visitante saiu coçando a cabeça e se distanciou vestindo a insegurança que eu havia lhe transmitido.

         Os viajantes levaram a alma de minha cidade. O corpo era o mesmo. As ruas, as construções, os estabelecimentos, o espaço físico não mudara, o mapa não sofrera nenhuma alteração, mas a alma, a essência, a energia era outra. O espírito agitado, atribulado da metrópole, havia dado lugar a uma energia mais branda. Uma vibração pacata havia possuído o corpo de Niterói.

         “Quesito harmonia: “Dez; nota dez”. A potencia vocal daquele conhecido timbre informava que já era quarta-feira, mas o sossego interiorano permanecia inalterado. A cidade permanecia “travestida” de lugarejo.

         A televisão mostrava a todo o momento as multidões que se juntavam em diversas partes do país. Pude perceber para onde haviam arrastado minha cidade. A região dos lagos havia absorvido um bocado de outras metrópoles. O tumulto, a muvuca, o estresse havia se deslocado para aquelas bandas.

         A partir de sábado a alma neurótica de minha terra foi lentamente voltando ao seu corpo. Na segunda feira ela havia retornado por completo, saiu do estado de coma em que estava. A falsa cidade partiu deixando saudades.

         Um grupo de amigos confabulava animado. Cada qual mais bronzeado que o outro, alguns ainda traziam no rosto a máscara da esbórnia. Um deles me inquiriu.

         – E aí! Viajou?

         – Sim.  Respondi de imediato.

         Minha resposta não foi percebida, pois eles conversavam inflamadamente. Era quase uma discussão. Cada qual se esforçava para externar suas aventuras, seus deleites.

        “'Cabo Frio estava bombando', outros relatavam extasiados sobre os dias passados em são Pedro da Aldeia, Búzios, Macaé, Rio das Ostras...”

         – Você foi para onde Marco? Perguntou-me um amigo enquanto discorria empolgado sobre as praias, as proezas, as mulheres, os blocos de Iguaba Grande.

         – Fui para “Sorriso”. Respondi rabiscando um pedaço de papel com a caneta.

         – Não conheço. Onde fica?

         – Também não conhecia. Fica aqui mesmo em "NIKITI!" Respondi.

         – Quando vai voltar lá?

         – Muito provavelmente na semana santa.

         – Pena! Nessa data irei para Saquarema.

         Senti uma pitada de menosprezo, um tom sutil de superioridade em seu comentário.

         No verso do papel rabiscado havia um espaço em branco, onde preenchi com  uma frase, que fiz questão de sublinhá-la e pô-la entre aspas.  Atirei-o sobre a mesa onde estávamos e saí tranquilo.

         Ninguém deu atenção, mas lá estava escrito.

         “Que ótimo, pois minha viagem está diretamente ligada a de vocês. Vão com Deus.”



Esse texto encontra-se na página 28 da revista física, acima destacada.



Transgressor

Crônica selecionada para a nova coletânea da editora Persona. "BEATNIKS .23"

Segue as diretrizes exigidas pela editora para apreciação dos textos:

Contracultura, não conformidade com a moral, religião e política ocidental, apreciação pelo outsider, marginalidade, antimilitarismo, ou seja, ojeriza por tudo que nos oprime e controla. Esta era a bandeira dos autores da geração Beatnik.

Transgressor

Autor: Marco Antonio Rodrigues.

       Giroscópios por todos os cantos.

       Policiais militares, civis, federais, guardas de trânsito, guardas municipais... Dia sim e o outro também os “tiras” estão a postos nas calçadas, nas esquinas, nas copas das árvores, nos subterrâneos das redes de esgotos... A cidade se tornou um quartel!

        A infração branca, utilizada como graxa, que lubrifica as engrenagens ferruginosas das leis e das regras paralisantes, esta com os dias contados.

       O ato de “furar” sinal vermelho quando a via está completamente livre, sem que haja uma única folha de jornal sendo arrastada sobre ela por brisa preguiçosa, prejudica alguém?

        Sim! Sei que para os politicamente corretos isso é um "medonho delito"; não tão grave quanto o daqueles que não brecam o carro abruptamente no instante em que o semáforo amarela, mesmo estando embaixo dele. Para os vassalos dos ordenamentos, essas atitudes são imperdoáveis; verdadeiros "crimes hediondos".

        Questionados quanto à possibilidade dessas frenagens súbitas causarem trágicos engavetamentos de veículos, de causarem inúmeros estragos, quiçá óbitos. Respondem os lobotomizados: “As leis a priori”.

        Quando o semáforo amarela, quase sempre prefiro o acelerador ao freio.

        Não! Não sou a favor do caos. Também gosto de me sentir protegido! De transitar com segurança nos locais que frequento, mas minha alma clama por praticidade, anseia por soluções, por atingir alvos previamente almejados. Sofro com essa blindagem asfixiante, que muita das vezes serve somente para atravancar fluxos; como isquemias causadoras de infartos, derrames, aneurismas... 

        Segundo o dito popular: "As regras foram feitas para serem quebradas". Não concordo plenamente com ele, mas quando a insígnia da sensatez encontra-se inserida no contexto, faz sentido.

Delinquente, criminoso, bandido... Essas são outras vertentes, outros naipes, outras conversas. Burlar regras de pequena monta é desrepresar, objetivando o fluir, o ir.

        Depois de quase dois anos dedicados a curso técnico profissionalizante, honestíssimo amigo conquistara o tão desejado diploma. Esperançoso, disseminou seu currículo por todos os cantos da cidade. Ansiava exercer as atividades de sua nova profissão. Cinco anos se passaram, sem que uma única oportunidade surgisse. Foi quando ele se curvou aos “conchavos” de um amigo, que, utilizando assinaturas e carimbos “frios”, “esquentou” sua carteira profissional. Pouco tempo depois estava ele empregado.

         “Há momentos em que a ilegalidade é valiosa opção para quem almeja levar uma vida honesta”.

          Sim! Sei que a massa sonambúlica, hipnotizada, chipada pelas leis, pelas regras que tentam a todo o momento uniformizar condutas, caráteres, pensamentos, índoles... Vai lamuriar: “crimes vultosos se originam em pequenos delitos”, e que: “blá, blá, blá,...”

          Conheço transgressores honestos, trabalhadores, responsável... E conheço pilantras.

          O desejo de ludibriar os entraves sem sentido, rotulado por muitos como: “sabotagem”. É rebeldia justificada, que vocifera n’alma que urge realizar, fazer acontecer, concluir...

          Os que pensam diferente podem vir! Tragam às mordaças, os cassetetes, as algemas... Mas fiquem tranquilos! Minhas armas são textuais, não haverá resistência. Estarei com os braços estendidos para facilitar sua nobre e heróica missão. Afinal de contas, não é sempre que alguém está disposto a livrar a sociedade de um "crápula/malfeitor" como eu.


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A cada três mil anos

Duas mulheres papeavam à mesa sete, no mezanino de um requintado restaurante, donde fulgurava uma maleta prateada, aberta, com papeis dentro e fora dela.

O tom das vozes alternava; ora audíveis, ora sussurros. Os gestos também oscilavam entre suaves e bruscos.

Ambas trajavam roupas finas. Pareciam tratar de negócios. A loira trazia no rosto, abatimento e cansaço. A negra tinha pele viçosa e beleza exuberante.

— Parece que estamos chegando a um consenso! — disse a ruça, desejando encerrar a ardorosa batalha verbal.

— Que consenso!? Não renovarei o acordo! — rebateu a bela, com pujança.

— “Mó!” O planeta está apinhado! Não pode romper o contrato assim! — insistiu a loira, fitando-a com seus reluzentes olhos azuis.

— Romper contrato?! Estou apenas cumprindo suas cláusulas, “Vi!” Ele caducará em vinte e três dias. Está escrito lá! Quer que te mostre?

Entediados, dois garçons observavam à distância e comentavam entre si.

— O assunto ali deve ser sério! Tal de tira e coloca papel naquela pasta!

— Deixa de ser enxerido, velho! – disse o jovem atendente ao veterano.

— Estou cansada! Nesse momento, enquanto conversamos, minhas assistentes continuam trabalhando, ininterruptamente; não param um único segundo. Preciso de férias! – desabafou a beldade da pele apessegada.

— Você não entende! A infestação humana ameaça o orbe. Se com sua gigantesca equipe trabalhando estamos assim, imagine se vocês deixarem a lide! — retrucou à branca, visivelmente fatigada.

— Não fiz as regras, “Vi”. Sou apenas uma emenda nessas leis! Pelo estatuto original eu nem deveria existir! Você e “Tê” é que comandariam tudo. Só me incluíram nessa, quando se deram conta que a eternidade seria um martírio.

Não bastasse o desagradável impasse, uma criança na mesa ao lado começou a chorar.

Por breves instantes ambas silenciaram, seus rostos se voltaram, não para a mesa vizinha, mas para a entrada do restaurante. Acompanhavam um ancião esquálido, com barba curta e alva, que caminhava lentamente na direção em que estavam. Seu rosto fino se escondia atrás de enormes lentes fumê, de um genuíno Ray-Ban.

— Esse é outro! Ou madruga ou atrasa, demasiadamente — resmungou a preta.

Os gritos estridentes da criança ecoavam pelo recinto, provocando olhares enviesados entre os clientes, fazendo o stress represado em “Vi”, transbordar.

— Boa tarde, meninas! Sem lamúrias, por favor! O retardo foi proposital. Não tenho mais “saco” para lidar com essa ladainha, que acontece a cada três mil anos.

Depois de se acomodar, ele chamou o funcionário com a mão.

— Qual o seu melhor vinho?

O tarimbado garçom estufou o peito e disse-lhe entoando a voz.

— Dispomos do Porto Hunt’s, de 1735.

— Adoro esse “feto” português — retrucou o idoso, retirando os óculos, expondo o rosto, severamente sulcado — Quanto custa? — inquiriu.

— Apenas US$ 9.483 — disse-lhe o atendente, com altivez.

— Pode trazer! — ordenou sorrindo o recém-chegado.

— Traga um ovo cru também — acrescentou à loira.

— Que!? — espantou-se o funcionário; sem compreender o propósito do último pedido.

— De galinha, de codorna, de cobra, de jacaré, de dinossauro... Qualquer ovo! — rebateu a ruça, sem estribeiras.

Assim que o garçom se retirou o idoso fitou-a e disparou.

— Não é minha intenção fomentar sua impaciência, mas devo lembrá-la que, nem eu nem ela usamos dinheiro – disse, apontando com o queixo para a negra — a única aqui que utiliza essa joça és tu, portanto, você pagará a conta — e com um sorriso torto nos lábios, complementou — mas não será em vão, querida! Celebraremos a renovação desse bendito contrato. Não é mesmo, gostosona? — finalizou ele, cravando os olhos em “Mó”.

De volta à mesa, o atendente entregou a iguaria à mulher e iniciou o ritual para desarrolhar o vinho. “Vi” levantou, se dirigiu à família ao lado, pôs o ovo na mãozinha da criança, que logo parou de chorar. Seus olhinhos lacrimosos acompanhavam-na, atentamente. Com delicadeza, ela envolveu o ovo e a mão da menina com suas mãos, que logo passaram a transmitir uma estranha quentura, acompanhada de radiosa luminosidade, violeta. Passado alguns segundos ela as recolheu, deixando a pirralha extasiada, com um belo pintinho se mexendo e piando em sua mãozinha. Pasmados, os pais olharam interrogativamente para a mulher, que logo elucidou.

— Faço truques. Em pouco tempo o bichinho desaparecerá – informou a “ilusionista”, com sorriso forçado no rosto, enquanto retornava para junto de seus companheiros.

Após servir o vinho, o funcionário foi surpreendido pela mão macia e gelada da preta, que repentinamente se apoderou de sua destra. Seus batimentos cardíacos descompassaram, o rosto empalideceu, seu corpo começou a tremer... Instantes antes de desmoronar, “Tê”, que acompanhava todo o movimento, escaneou o homem com as vistas, volveu os olhos para “Vi", balançou o dedo indicador de um lado para o outro em sinal de negação e rechaçou.

— Não! Ele ainda dispõe de vinte e cinco anos.

Imediatamente a loira segurou a outra mão do garçom, transmitindo-lhe revigorante calor. Dessa vez, a luminosidade que espargia de sua canhota, tinha cor oliva. Sem demora, “Mó” se desconectou do homem, que logo recuperou a coordenação motora, a cor e o ritmo cardíaco.

— Vocês reclamam de infestação, mas não me deixam trabalhar! — esbravejou a negra, cruzando as torneadas pernas, com o charme e a sensualidade que lhe eram peculiares.

— Antigas regras, querida! Tudo no seu devido tempo — justificou o idoso.

— Que história foi aquela, que o bebê frango logo desaparecerá? — indagou “Mó” a “Vi”.

— Ora, minha querida! Crianças sempre matam bichinhos. Por que com essa seria diferente?

Achei justo o escambo: a vida de um pinto, que nem iria nascer, por momentos de paz — retrucou à loira.

Durante aqueles intrigantes e desagradáveis instantes, quando sentiu sua vitalidade ser drenada por “Mó”, o atendente observou que o trio carregava nas golas de suas blusas, pequeninos broches dourados. Cada qual com imagens distintas: o da negra, uma árvore seca; o da loira, uma semente germinando; o do velho, uma ampulheta.

— Você sempre reluta para atender aos pedidos de sua irmã mais velha. Espero que não negue às súplicas desse ancião que vos fala — disse “Tê” à negra, acrescentando argumentos altamente persuasivos — Preciso lembrá-la que, se parar de trabalhar, deixará de existir, já que foste criada, exclusivamente para essa função.

A mulher requisitada silenciou por alguns instantes, revirou os olhos, esboçou um encantador sorriso e pediu que lhe passassem os papeis para assinar.

Terminada a comemoração, preparavam-se para deixar o estabelecimento quando a mãe da criança interpelou à “mágica”.

— Hein! Ele ainda está aqui! — disse, apontando para a avezinha, com a qual a criança brincava sobre a mesa.

— Não pretendemos levá-lo conosco — acrescentou o pai da menina, preocupado.

— Fiquem tranquilos! Tudo se resolverá, antes de sairmos por aquela porta — assegurou à ruça, cutucando a negra, murmurando ajuda — conto contigo! Não esperava tamanha mansuetude e meiguice dessa criança.

Próximos da saída cruzaram com o velho funcionário. A beldade da pele sedosa não perderia a oportunidade de alfinetá-lo, e assim o fez, cinicamente.

— Parabéns! Noventa e cinco anos é privilégio para poucos.

— Obrigado, madame. Espero chegar lá, mas ainda falta! Completei setenta recentemente — respondeu o atendente, visivelmente acabrunhado.

— Chegará! — afirmou ”Mó”, deslizando o dorso de sua gélida mão, sobre o seu rosto; tenso e desconfiado. Em seguida, ela volveu a cabeça para o mezanino e bafejou na direção da mesa oito; como se tivesse soprado uma zarabatana, disparando pela boca pequena névoa cinzenta, que percorreu o ar com a rapidez de um dardo venenoso. “Tê” acompanhou o episódio com extrema lentidão e testemunhou o momento em que a pequenina nebulosa atingiu o bichinho, fazendo com que o mesmo caísse imediatamente duro, sem vida. A criança reiniciou o berreiro, agora com decibéis absurdamente elevados. O trio deixou o restaurante.

Intrigado, o garçom se dirigiu apressadamente para recepção. Folheava o livro de reservas, apreensivo. Estupefato, acompanhou com os olhos saltados a seguinte anotação, que se apagava a media em que a lia: “Mesa sete do mezanino, reservada para os executivos (as) da corporação ‘Axioma’: Sra. Morte, Sra. Vida e o Sr. Tempo”.


Obs.: O conto acima ficou em quinto lugar, entre 580 textos.